terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Nereu

1- Da escuridão do ralo pra luz da privada

Nereu gostava da escuridão. Trancava-se em seu quarto desde pequeno, e imaginava estar dentro de uma caverna. Era um morcego. Era um monstro. Era louco. Depravado. Um maldito doente adorador do escuro. Nereu era filho de pais ricos e muito maus. Pais maus, filho doente. Pais bons, filhos mais doentes ainda. Nereu ia bem na escola. As notas eram boas, eu quis dizer. Porque na verdade Nereu era sozinho. Não tinha amigos, nem namorada. Quando estava na 5ª série apaixonou-se por uma freira velha e tetuda que usava preto. Irmã Catarina, diziam. Os adultos diziam que Nereu se tratava de um belo garoto. Diziam que ele tinha um rosto bonito e bem desenhado. Os adultos insistiam que ele era realmente um garoto bonito: cabelos castanhos, queixo quadrado, mas não exagerado, queixo pequeno e quadrado, então, nariz grande e reto (perfil grego (não era um legítimo narigudo)), bochechas chupadas, olhos fundos e grandes olheiras eternas. Não era grande, mas ia bem nos esportes: natação, futebol, e artes marciais. Mas não sabia andar de bicicleta e tinha pavor de escadas. Maldita Lei de Murphy entrou em ação. Nereu. Ah, pobre Nereu. Ele era apaixonado por música. Mas era péssimo na porra da música. Desengonçado com um violão. Faltava técnica para os instrumentos de sopro (apesar do bom fôlego). Nos de percussão? TERRÍVELMENTE SEM RITMO! Desilusão atrás de outra. A idade foi chegando. Um dia ela chega néh, vamos assim dizer. Aliás ela está dentro do nosso gene aquela porra. Com 15 levou sua primeira surra, bêbado na rua. Com 18 nunca tinha comido ninguém. Com 23, nada de faculdade. Aos 25, primeiro emprego? Sem amigos sempre. Aos trinta, os troféus continuavam empoeirados no quarto da mansão que morava com os pais, no Colina Verde, em Ribeirão Preto. A mãe sempre com roupas de perua ou roupas de academia fazendo implantes e metendo com gigolôs da Praça Sete de Setembro. Nereu cuidava também de uma iguana que se chamava Balalaika. Ela ficava em um aquário, meio que enrolada em um galho envernizado. Embaixo de Balalaika, miniaturas de um sofá, duas poltronas e uma TV. O título da Recreativa de Ribeirão amassado feito dinheiro de bêbado dentro de uma caixa de recordações com umas moedas antigas, um pente, uma embalagem de camisinha, um caco de vidro e um soco inglês. A pele branca igual à neve (certamente nunca enfrentava o sol impiedoso de Ribeirão Preto). Nereu, ei Nereu. SEU FILHODUMAPUTA, dizia o pai. Tinha tudo, diziam, para ser o CAMPEÃO. O MÉDICO. O CESAR CIELO. No mínimo um administrador, veterinário ou advogado. DONO DE BOTEQUIM!!! Mas ele era...um puta de um vagabundo tentando viver em paz, em seu mundo. Abandonado e eternamente cobrado por seus pais. Já era rico mesmo, num precisa trabalhar nem nada... Bebia compulsivamente, sozinho. Fumava pra caralho. Ficava vendo pornografia na internet o tempo todo. E lia muito (Thich Nhãt Hanh, Gilberto Dimenstein, Machado de Assis, Günter Wallraff, Paulo Coelho, Fante, Drummond, Guilherme Sakuma). Passou a cuidar de bonsais, mas ninguém sabia. Viajava muito pouco. O pai achava que o filho era veado e louco. Não curtia a vida. Diziam. O filho da mãe não sabe viver, pensavam. Buzinavam o tempo todo. Nereu, com seu escudo de plenitude e escuridão e senso de ‘quesefodatudoetodos’, num dava nem pelota. Mexia os ombros desdenhando. Sempre voltava para o quarto. Ficava lá, jogava vídeo-game, brincava com Balalaika, bebia, fumava, pouco se fodendo com o resto. Ar condicionado no talo. Dizia pra si próprio”FODA-SE O MUNDO”! Desastrado o coitado. Fodido. Puto da vida. Com certa razão. Mas desastrado, sabe como é que é néh... Hoffman...Newton e tudo mais. Chegou o dia em que Nereu, desistiu da música, desistiu da Balalaika, desistiu de desistir da vida. Tentou se encorajar, e, desgraçadamente conseguiu. Ganhou uma BELA de uma grana com a morte dos pais que bateram as botas após um acidente de automóvel na rodovia Anhanguera. O pobre motorista (que consequentemente tornara-se vilão (igual aconteceu com o piloto dos Mamonas)), levou a culpa. Porra, não viu aquela poça d’água, ao lado extremo esquerdo da pista, muito perto da trincheira de concreto que divida as pistas? O carro rodopiou no asfalto molhado por conta da poça d’água e na sequência foi atropelado por um Scania gigantesco, veloz e pesado. No velório dos pais, Nereu pouco chorou no Cemitério da Saudade. Na verdade apenas o pouco que chorou foi por pena: pena dos pais de merda com vidas de merda que ele tinha, pena de si mesmo, pena dos mendigos e dos psiquiatras. Mas pena, um sentimento terrível de pena. Mas também foi só. Depois que fecharam o caixão e enfiaram aquela merda dentro da gaveta do jazigo Nereu sentiu-se aliviado e de bem com a vida. Reparou nos pássaros. Observou o movimento dos galhos das árvores contra o vento. Espiou o sol lá em cima fervendo sua mente de ideias totalmente miseráveis. Bocejou.
A morte dos coroas então veio em boa hora. Com a grana (algo em torno de R$ 17 milhões), primeiramente matriculou Balalaika na escola de circo da avenida Caramuru (um antigo sonho da estimação), vendeu a mansão no Colina Verde e comprou um rancho às margens do rio Pardo. Ah merda, vendeu os carros do velho (eram três, e de marca) e comprou um Uno 1995 cor cinza (totalmente desbotado), com os bancos furados e cinto de segurança vagabundo e bem questionável. Na primeira noite só, pendurou-se em sua rede da varanda do rancho, besuntou-se de repelente, acendeu um cigarro e ficou bebendo sua primeira garrafa de vinho em paz, esperando tranquilamente o resto da vida.

3 comentários:

O Maldito Escritor disse...

(Se prepara porque eu vou cortar a cebola...)

Bom, esse aqui foi um dos melhores teus que eu já li. Aliás, foi um dos melhores que eu já li na internet, em qualquer site de literatura e blog (e porque também não forada internet?( sim, também fora)). A rapidez e estrutura dele é impressionante e assustadora. Não consigo ver um defeito sequer (e eu adoro achar defeito em tudo).
Um dia você me disse "Como você cosegue ligar as coisas desse jeito (você tava falando de um dos meus contos quilométricos), véinho??"... Bem, acho que não preciso mais te dizer como.
O que eu quero te dizer, é que você conseguiu segurar o "negócio" nas mãos, e cada vez mais, vejo que você consegue fazer o que quer com ele (no bom sentido).
Esse seu "Nereu", tranquilamente supera vários dos meus. Você domina um vocabulário muito maior que o meu parco vocabulário de 500 palavras... E cê tá ficando cada vez melhor. Alguma pessoa (também um tanto calejada no mundo literário) que eu tenho em alta conta falou de você pra mim assim "...e tem também aquele filho da puta genial do F. C. Peres".
Então, carinha, você me citando nesse, lado a lado com todos esses doidões (metade eu admiro MUITO, metade eu não conheço, rs), e ainda por cima por último, é algo que... algo com o que eu nem sei lidar. "Sem palavras" é o termo certo; é clichê, mas é o certo.

É nóis, Pitt.

Beatriz Diniz Junqueira ♥ disse...

Muito Bonito Sakuma.... :)! ADOREI hihihih...beijos

••••••••••••___Pitt adorei o que vc escreveu..Tbm acho que cada dia que passa vc se supera e assim sucessivamente • Aliais • é melhor dizer que nada te supera ou substitui*. Te quero p/ sempre ao meu lado! Continue sempre criando vc É um escritor e um artista maravilhoso! Se tem uma "coisa*"que eu tenho crtz na nessa vida essa "coisa*"se chama Felipe Campos Peres (PITT)......Eu TE AMO & Te admiro muito! Parabéns! Beijinhos hihihi... :P

Putinha Psicótica disse...

É cara. Achei isso aqui. Meio do nada. Me arrancou sorrisos. Difícil hoje em dia. Quanto à coisa toda, você está convidado sim. Queria que estivesse aqui. De verdade. Pode vir se quiser. Vai ser sábado das 9 às 12. O ponto é o mesmo que o primeiro ponto daquela vez lá. Te amo, cara. Fica bem, você e seu bigode maluco. Abração!!!
(Concordo completamente com o Sakuma. Perfeito.)

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